Tempo Suficiente

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Como eu vim parar aqui?

Esse, o pensamento que me veio enquanto eu tirava a maquiagem, diante do espelho do banheiro. Aqui no Porto. Agora. E lá longe, no Rio. E de volta.

Você pode se ver mudando se olhar bem fixo e fundo nos próprios olhos, por tempo suficiente. Sabia? Tempo suficiente… Quanto seria isso? Não me pergunte.

Anos. Meses. Dias. Horas. Minutos. Segundos. Tempos, tempos, tempos.

Eu tinha treze. Anos. E alguns minutos, que era sempre só o que eu podia ter. E mesmo assim, muito mal e mal. No único silêncio possível, o do banheiro, eu parei. Olhos nos olhos, diante do espelho, por tempo suficiente. 

E… eu mudei. Aos poucos. E de uma vez só. Num lapso de segundo. Susto. Quem era aquela? Como ela foi parar ali? Que coisa mais estranha. Medo. Bom… Fascínio, também. Curiosidade. Mas muito, muito medo. Medo demais. O que fazer?… Não tem problema. Um passo atrás, o olhar em outra coisa. Qualquer coisa. Ainda que  em você mesma, mas só o rosto. Ou mesmo os olhos, mas por fora. Só por fora. Pronto. É, de novo, só um espelho. E você é só você mesma, feito antes. Se afaste do espelho, saia do banheiro. No meio de todo mundo, por tempo suficiente, você até esquece.

Como eu vim parar aqui?

Eu pego o celular. E mando isso por escrito, em mensagem, à minha irmã, com quem eu tinha falado ao telefone pouco antes, feito todo dia, feito sempre. Há tempos, e tempos e tempos. Nunca, o suficiente. Eu podia ter ligado de novo. Tenho evitado as tais mensagens, em geral. Acaba me parecendo distante, limitado. Mas escolhi assim dessa vez. Eu tinha sido excessivamente próxima falando. E existem verdades que demandam alguma distância. Perspectiva. A palavra falada, para o presente. A escrita, para o infinito.

Aconteceu alguma coisa? Ela pergunta. 

Não. Não. Eu respondo. Só me veio isso, de repente, agora. De vez em quando vem. Um choque. Um susto. Sabe como? Uma realização de que minha vida não está, absolutamente, como eu tinha planejado. Você sente isso?

Sim, ela sente. O tempo todo. Ela acha que a maioria das pessoas, depois dos quarenta, sente. As que não, ou tiveram muita sorte ou não sabem. A ignorância é uma benção – minha irmã completa, os emojis chorando de rir, espalhados pela tela. Eu rio também. Muito. Porque a coisa toda é hilária, feito só as coisas mais tristes sabem ser. Eu rio e respondo.

Discordo. Eu digo. Não, escrevo. Discordo. Prefiro sofrer. Prefiro… Eu digo a ela o que eu prefiro, em termos muito reais e bruscos e engraçados e… bom…deselegantes demais pra esta residência aqui… Mas eu digo a ela. Ainda lá. Sentada, agora, mas ainda lá. Diante do espelho do banheiro. Ainda o lugar onde o silêncio é mais possível, mais duradouro. Eu digo a ela e olho, fundo, fundo. Por tempo suficiente. Onde é possível se ver mudando. Prefiro sofrer, respondo, de pronto. E… É verdade. Tão verdade que eu rio. É a mais pura verdade. Desde quando?… 

Como eu vim parar aqui?

Aos treze. Aos vinte. Vinte e cinco. Trinta. Trinta e três. Trinta e oito. Quarenta e dois. Quarenta e mais. Quantos a mais? Muitos. Todos. Eu paro e me olho. Me vejo mudando. Sigo olhando. Já não temo mais. Desde quando?… Não sei. Não importa. Agora é todo o tempo que há…

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