Situantionship. Essa, a nova palavrinha para definir uma forma de relacionamento amoroso. Acabei de saber. Minha amiga, Patrícia, me encaminhou uma matéria de jornal sobre o assunto.
Trata-se de algum tipo de “rolo” onde as pessoas estão mas não estão, gostam mas não gostam, nem vão nem ficam. Parece familiar? É porque é, mesmo. Essas palavras e estados de existência parecem estar por toda a parte agora. Aliás, já estavam há tempos. Eu é que estava por fora. Mas as amigas tem me posto a par da… situation. Elas precisam me atualizar. Não sei de nada. Eu estive casada. Ponto. Por vinte anos. Ponto. Estou solteira há três. Ponto. Simples assim. Simples assim?… Oops…
Não, as amigas dizem. Não é simples assim. Não “lá fora”. Se situa, Flávia. A sua ingenuidade está dando bandeira – uma outra amiga, Verônica, me sinaliza isso, o sorriso solidário e compreensivo de quem conhece a minha natureza há quase três décadas. Você sempre teve uma certa inocência, ela diz. Eu e meu drinque vermelho não-alcóolico, (de mais ingredientes do que consigo lembrar agora) ficamos, metaforicamente, da mesma cor. Vergonha? Culpa? Regret? Raiva? Provavelmente um misto de tudo isso. Feito o tal drinque.
Ingenuidade… A palavra nojenta que tive que receber, aceitar, levar pra sessão de terapia e pro nível mais consciente possível do meu precioso cérebro. Ingenuidade. A vilã absoluta do meu momento. O monstro que surgiu para arranhar o rosto helênico da minha (negada, repudiada, porém… existente) vaidade intelectual.
Meu sofisticado cérebro analítico e criativo, literário e filosófico… o mesmo que disseca as mil facetas de qualquer pessoa, em qualquer situação, e contempla a tudo de forma distanciada e desapaixonada… Este mesmo cérebro não poderia habitar nesta mesma pessoa que, de repente, não percebe que seu repertório afetivo está em extrema desconexão com… bom… quase todo mundo, aparentemente.
Minhas palavras não acham tradução em outras pessoas, as delas não fazem sentido pra mim. Eu digo amizade profunda, as pessoas dizem “contatinho”. Eu digo conexão de alma, as pessoas dizem P.A. Eu falo em amor, me explicam a diferença entre ficante e peguete. Sorry… WHAT? Eu vou pro Google. Ele sabe essas coisas todas aí! Meu Deus… em que planeta eu acabei de desembarcar? Qual é o meu problema?… Dislexia amorosa. Não. Pior. Desencaixe existencial severo. Se a minha vida fosse um desses filmes de multiverso, eu teria acabado de perceber que fui jogada no universo errado – e que o portal de retorno ao meu lugar de direito se fechou. The horror! Flavialand não existe aqui, Flavialanguage não é falada desde antes da morte do latim. É claro que eu tenho sofrido de insônia! Quem pode dormir com um barulho desses?
Outro dia, outra mesa, outras amigas e… as tais palavrinhas. Juliana e Waleska me falam sobre os aplicativos de relacionamentos, os P.As, os “ficantes”. Eu não entendo nada. Como funciona isso, gente? Como é isso de P.A?… Ficante? Casinho? O que determina esse tipo de classificação? É tipo alguém com quem você está dormindo, mas de quem você não gosta como ser humano? Com quem você não conversa? Conversa, Flávia, mas não sobre isso. Isso o quê? Ah, isso, o relacionamento. Não se conversa sobre levar adiante. Ué… Isso é coisa que precise ser conversada? Não acontece naturalmente quando você gosta de alguém? E, aliás, como é possível alguém passar tanto tempo com outro alguém, e ter intimidade física, se não gosta? Como?
Mais uma mesa, de volta pra Patrícia. E pra Verônica. Entre explicações vocabulares e conselhos para organizar a vida afetiva, eu me dou conta de que preciso de consultoria especializada. Muitas sessões de terapia. Talvez uma “simpatia” básica. Ingenuidade, saia deste corpo que não te pertence. A Verônica ri, já se desculpando por estar rindo. Mas… gente… é pra rir mesmo. Eu também riria, se eu conseguisse. Não consigo. Não agora. Agora, preciso dar uns passos para trás, fazer uso do meu cérebro desapaixonado. As palavrinhas de pobreza afetiva agridem a minha sensibilidade. E seria fácil jogar nelas a culpa do meu desconforto interno. Mas… fato é que…
A voz rasgada de Cássia Eller me vem aos ouvidos, do nada. Palavras, apenas. Palavras pequenas. Palavras. Feito o “eu te amo” protocolar. Feito o escrito, e logo esquecido, nome gravado na parte interna da aliança. Feito o papel assinado e registrado em cartório, sem significado algum. Feito as promessas escritas à mão, no bilhete, em desencontro com os sentimentos “inverbalizáveis”, ali, à espreita, só esperando serem acordados de um longo estado de “coma”, sem mais nem porquê. Feito tantas outras coisas que aguardam classificação, sem encontrar idioma.
Nesse misterioso jogo de esconde-esconde entre cada um de nós e nossos sentimentos, um almanaque inteiro de palavras querendo dizer nada se apresenta e um monte de nada que teima em ser tanta coisa se impõe… E, suddenly, penso que…
Talvez eu não seja, after all, a única pessoa deslocada em tempo, espaço e sentimento. Talvez eu apenas esteja algo solitária na disposição de admitir as palavras mais difíceis entre todas as palavras…
Eu… Sinto. Mas eu não sei. E agora?…