Quem é?

Quem é?

Eu ouvia essa pergunta ser feita pela Lourdes, funcionária dos meus avós da vida inteira, praticamente, toda vez que a campainha tocava, no apartamento da Conde de Bonfim, Tijuca, Rio de Janeiro, anos 80. 

Eram duas portas de entrada. Ambas com olho mágico. Mesmo assim, a pergunta:

Quem é?

E, aí, quem estivesse do outro lado respondia.

Sou eu.

Somos nós.

É Lorina.

É Paulo César.

É Dona Fulana, vizinha aqui do lado.

É o correio.

Sou eu. 

Quem?…

Abre logo essa porta, Lourdes!

Sou eu.

Eu quem?

Você sabe!

É quem é, hein?…

Sou eu! Flávia!

E a janelinha abria. E de lá, a vozinha…

Olha só que bonitinho. É ele.

Ela! Ela!

É ele, gente. Quem é o fofinho da vovó?…

Não sei quem é ele. Não sei quem é fofinho de ninguém. Eu sou eu. Flávia. 

Ela ria e ria. Abria a porta. Ficava radiante. Tanto mais exultante quanto mais severa fosse a minha expressão de impaciência.

Sim, eu ficava irada. Verdadeiramente. E ela sabia. E eu sabia que ela sabia. E essa era a brincadeira. A natureza do nosso relacionamento. Nossa manifestação de intimidade e afeto. 

Eu compreendia isso, de alguma forma, mesmo naquela idade. E achava engraçado. Mas achava, também, profundamente irritante. O afeto humano, afinal, nunca é uma coisa simples, reta, coerente. Eu amava e odiava aquela dinâmica em iguais proporções. 

Implicar comigo era o jeito da Lourdes me dizer que eu era singular para ela. Rejeitar a brincadeira era a minha forma de sinalizar que singularidade me importava. E que eu nunca aceitaria ser outra que não… Eu. Eu mesma. Ela. Uma menina. Chamada Flávia. A mesma pessoa. De um lado ou do outro daquela porta. 

A campainha toca.

Quem é?

É você? Você mesmo?

De um lado ou do outro?

Se não for, eu entendo.

Mas, por favor, nem toque.

A porta não vai abrir.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *