O que você pediu de presente ao Papai Noel? Não responda logo, de pronto, no automático. Uma mentira vai sair pela sua boca. Uma mentira do pior tipo. Aquela na qual você mesmo acredita, porque faz parte de você, tão intimamente.
Você vai dizer que Papai Noel é das crianças. Uma linda fantasia, a magia da infância, o momento da vida onde tudo era possível. Ah, como era bom ser criança…
Mentiras, quantas, quantas mentiras dependuradas pra todo lado. Não caberiam na minha ex-árvore de natal, na minha ex-casa, na minha ex-cidade, na minha ex-vida. Hell, não caberia também na árvore da casa da família, quando eu era pequena, maior ainda e com mais penduricalhos falsos. Falsos, mas belíssimos. Belíssimos, mas quebráveis. Once upon a time, a fantasia era mais elaborada, a casa era maior, a família era mais unida, os enfeites eram de vidro.
Eu volto para a minha infância… Eu, minha irmã, meus avós, as tias, os primos, em volta da árvore que ia up and up até o teto que, por sua vez, parecia ir até o infinito; o cheiro de pinheiro, madeira e surpresas felizes (às vezes não, mas a gente sempre torcia…) embrulhadas em pilhas de papéis multi-coloridos, com laçarotes vermelhos.
Com muito cuidado, vovó dizia, me passe mais uma bola. A grande; a média; não, não, a pequena, agora. Aquele outro enfeite em formato de pingente ou, como eu via, de brinco de princesa. Vermelho cereja. Verde-esmeralda. Amarelo-ouro. E o meu favorito: azul. Que azul era aquele? Céu?… Bom, seria se o céu fosse criado por mim. O mais lindo de todos os azuis…
Decoração feita, algumas bolas destruídas, o cheiro de rabanada e bolinho de bacalhau no ar, horas e horas brincando de ajudar o meu avô a quebrar nozes, mesa posta, filme antigo de natal passando na televisão, todo mundo falando ao mesmo tempo e ninguém realmente se entendendo, o que, de alguma forma, não importava… Não havia muito mais a fazer além de colocar os sapatinhos na janela, torcer para a carta ter chegado ao polo norte direitinho e ir dormir sabendo que, ao acordar, a mágica teria acontecido e, lá ia estar ele… O presente de natal. Aquele presente. Sabe qual?…
Eu não sei… Eu tento me lembrar de algum presente de Papai Noel que tenha me feito ir às nuvens. Nada me ocorre. Então, ao invés disso, eu tento lembrar em que momento eu deixei de acreditar. Ou, o que é mais complicado: se eu realmente acreditei um dia. Se eu seria capaz de acreditar agora.
Eu faço a pergunta e percebo que a resposta não está na infância. Nem a pergunta, nem Papai Noel. Passados os anos, muita coisa mudou. A família já não é tão unida, o bolinho é comprado pronto, a rabanada é light, de forno, o panetone se parece com tudo menos panetone, o pinheiro não tem o mesmo cheiro, as bolas são de plástico, para não quebrar, a pilha de presentes é o amigo oculto virtual. Tudo mudou. Mas Papai Noel e o tal presente são os mesmos. E nada poderia ser mais tristemente adulto.
Oi? Flávia, você bebeu vinho do Porto demais?… What’s wrong with you?! Eu digo o que está errado. Assim como uma história só é tão boa quanto o seu autor, o sonho é determinado por quem o cria. E a humanidade não sabe sonhar. Tudo é tempo, espaço, limite, regra, função. Mais do que qualquer coisa, tudo é transacional.
Vai escrever a carta ao Papai Noel? Ah, não pode pedir isso ou aquilo, não… De repente… se você der opções ao bom velhinho?… Uma lista de melhor de três?… Os duendes, afinal, tem muito o que fazer… Ah, pediu uma coisa razoável? Ok. Mas ainda assim, tenha muito cuidado. Papai Noel não presenteia criança que repete o ano, que faz malcriação, que bate no irmãzinho, que desobedece a mãe, que mente… Ah, as mentiras… Elas e os penduricalhos de árvore que já nem quebram mais. São resistentes mesmo. Imutáveis. Ficam ali – entra ano, sai ano. Nada que se possa fazer a respeito. Já não são tão bonitos assim, já não te fazem pensar no céu imaginário ou em princesas encantadas mas, ó, são “razoáveis”. E o que mais se pode querer nessa vida?…
Nada. Não se pode querer nada. Não sem uma lista infindável de qualificações. Você pode comprar o vestido lindo. Se você tiver trabalhado horrivelmente e odiado cada segundo. Porque, né… Coisa engrandecedora ao ser humano é odiar a própria vida. Vale uma pilha gigante de presentes, isso aí. Então sofra. Muito. Talvez, talvez… Se você sofrer muito mesmo, isso te dê direito a um vestido e um par de sapatos. Confortáveis e… Beges. Não vá me sonhar com os sapatos vermelho-cintilantes da Dorothy de “O Mágico de Oz” . Coisa mais infantil e despropositada…
Ah, você não quer nada material? Você é um ser de luz que quer amor?… Joia. Mas não sem antes justificar pra si mesmo, os amigos, o analista e o teto do seu quarto que você merece amar e ser amado porque, afinal, você é boa pessoa e sofre taaaaaanto nessa vida. Amor. Ele vai vir. Em troca de mil anos de dor e uma Bahia de Guanabara de lágrimas, mas quem está contando?…
Nem amor você quer? Você é uma pessoa mesmo muito básica. Você só quer ser feliz nesse momento. Ter um natal alegre. Dar umas risadas com a família. Sorry. No. O mundo está acabando, tem uma pandemia rolando, muita gente morreu esse ano, o governo está destruindo os seu país… Como assim, ser feliz nesse natal? Tenha bom senso. Vamos fazer as contas disso aí. Colocar tudo na cartinha. Papai Noel que diga se você pode ou não ter ou ser ou sentir o que quer que seja.
Eu respiro fundo. Olho pela janela. E de volta pra tela do computador. E de volta para a janela. Estou tão, tão, tão longe. Da Bahia de Guanabara. Da falação desconexa da família. Da árvore que vai até o infinito. Do meu avô que agora só quebra as nozes em algum outro plano de existência. Não, eu nunca acreditei em Papai Noel. Antes. E eu nunca pedi o que eu queria. As coisas que eu realmente queria, em segredo.
Querido Papai Noel, neste Natal e para sempre, eu quero…
As coisas que não podem ser quebradas. Não por serem feitas de plástico. Absolutamente. Por serem feitas de… Nada. Poeira de estrela. Poeira de mim mesma, talvez… As coisas que são feitas em algum lugar entre o céu e a terra, um lugar meu, onde o tempo é abstrato, os meus afetos não precisam de selo de aprovação, os sonhos não são classificáveis e a alegria de viver, ou não, está sempre aqui só porque… sim. Porque sim. Porque nada real faz sentido. Ao menos não o sentido que tentamos, em vão, impor. Sorrir em meio aos escombros acontece. Chorar no ápice da glória, também. Essa, a mágica que existe em nós, seres humanos.
As horas passam. Eu pego no sono. Os sapatos não estão na janela. A carta não foi enviada ao Polo Norte. Eu não preciso pedir ao Papai Noel… O presente sempre esteve aqui.
Pureza de sentimentos. Inocência infantil. Reflexivo. Olhar de adulto. Nada é como antes. Tudo muda. O que realmente importa? O espiritual. Sentir como se não fizesse parte desse momento: corpo presente, mente ausente. ……
That’s it… :).