F…

Tem coisas que a gente não entende quando muito jovem.

Coisas feito memória. Tradição. Símbolos.

Minha família tinha o hábito de dar pequenas joias de presente para marcar ocasiões.

Nasce alguém… Joia.

Batizado… Joia.

Quinze anos. Noivado. Casamento. Aniversário de casamento… Joia.

Eu nunca pensava em nada disso.

Não me importava. 

Eu não entendia. 

E… Bom… Parecia meio deslocado de tempo e espaço.

Quem ia usar joia no Rio, na minha geração?

Eu era uma criança. 

O brinco de plástico em forma de picolé, vermelho, da coleguinha de classe, tinha mais apelo pra mim. Não que eu fosse usar. Não podia. Tinha uma alergia feroz. Ainda tenho. Qualquer coisa que não seja ouro (ou aço cirúrgico, descobri recentemente), meu corpo rejeita. Doença de gente rica e fresca, você pode dizer. 

Ironicamente, não sou nem uma coisa nem outra. Muuuuuuito pelo contrário. Eu sou a poster-girl do manual do artista duro e despojado. Tô nem aí pra nada. E quando eu penso em dinheiro eu penso em… Livros. Ou filmes. Ir ao teatro mais vezes. Viajar? Oh yes. Mas bem simples. De trem. De classe econômica.  Ficar em hotel desses que você carrega a própria mala, always. Eu gosto que a cama seja fofa, o banheiro seja limpo, a água seja quente. Mais do que isso?… No, thanks. Detesto. Acho luxo uma coisa tão tediosa. E… sei lá… anti-estética mesmo. Cafona. Over the top. Feito um bolo delicioso que alguém estraga por botar merengue demais por cima.

Enfim… Família. Lembranças. Joias.

Eu não entendia. 

Mas aí… O tempo. O espaço. 

Eu deixei o Rio. Mudei pro Porto. 

Anos, anos e anos. E um oceano inteiro in-between.

Aqui joia não é nada demais. Todo mundo usa. Ou não. Mas não importa. Ninguém acha que vai ter a orelha arrancada por causa de um brinco que nem é realmente “valioso”. A joia volta a ser apenas o que sempre tinha sido: uma lembrança. E eu lembro…

Uso o anel pra passear com meu avô. E o eu vejo botar a joia no meu dedo pela primeira vez, over and over again, toda vez que baixo os olhos pra minha mão direita.

Uso os brincos de aço que minha mãe me trouxe, lembrando que eu gostava deles longos, mas tinha deixado de usar ao me tornar mãe e aí… Passeio com mami. E com a eu-mesma que tinha esquecido na gaveta.

Uso minha correntinha e trabalho com meu pai ao lado. A correntinha e o F – que foi pensado pra ser de Flávia, mas eu faço dele outras palavras. Tantas.

Pai… Sonhei contigo hoje me trazendo meu brinco de brilhantes com a tarraxa consertada. E aí lembrei do F. Não usava há anos. Foi você que me deu, não foi?

Foi, sim, filha. 

F. De filha. Mais uma palavra pra eu usar andando por aí. Ou F de friend, que é o que sou mais, na verdade, de pai, de mãe, de todos. E eu gosto de ser assim. Eu acho que é…. Fundamental. Fabulous. Fun. 

Seu tataravô fez amizade com um ourives cujo apelido era Pulego. E aí…

Meu pai me conta toda a história. Eu sabia do Pulego. Ouvi esse nome muitas vezes quando menina. Mas não sabia o resto. Tão, tão interessante…. Daí vinha o hábito das joias. Como marcadores de memórias. Intocadas pelo tempo. Carregadas de significado.

Eu abro o porta-joias. Escolho uma pessoa e um momento pra passarem o dia de hoje comigo. Do outro lado do Atlântico. O mesmo lado de onde veio o tataravô que começou a história toda. O homem que eu nunca cheguei a conhecer mas que é responsável, em grande parte, pelo cordão no meu pescoço hoje, um século depois.

Tem coisas que a gente não entende quando muito jovem…

Tempo. Tradição. Lembranças.

F…

De família.

Forever.

One Reply to “F…”

  1. Bom! Muito bom! Parabéns!!!
    Aproveite para usar suas LEMBRANÇAS aí no Porto!
    Aqui, no Rio, não me atrevo a sair com minhas lembranças- corro o risco de ficar sem elas ou o pescoço, ou o dedo, ou as orelhas….
    Meu pai, seu avô Claudio, também gostava de presentear com jóias em datas especiais. Na maioria das vezes, anéis.
    ❤ ❤ ❤

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